terça-feira, 28 de julho de 2009

Psicanálise e Educação

PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO

Quem tiver um por que viver
suporta quase sempre o como viver.

Dr. Pedro H. Angueth de Araujo

Se a sociedade moderna perdeu os seus paradigmas, os valores básicos e uma forma constante de viver e transmitir conhecimentos aos indivíduos, se ela fragmentou o trabalho, desestruturou o conhecimento, fazendo com que as famílias também se fragmentassem, abriu o mercado para a mulher e os filhos em regra geral ficaram à mercê da babá e da televisão, como educar uma criança no mundo moderno? Como construir uma subjetividade forte e não alienada, quando na verdade o ser humano está subjugado a forças não controladas e coordenadas objetivamente para um fim, estruturado intencionalmente?
Sabe-se que, para o estado, o indivíduo deve ser educado para o trabalho. As relações entre as pessoas pouco contam, apenas a sua adaptação, a produtividade, a competitividade e o olhar do mundo para o consumo de todas as espécies de bens. Como fazê-lo? Como trabalhar filosófica, pedagógica e interiormente, esse ser humano que não é um ser material, que não é um ser puramente jogado no mundo, sem outras considerações subjetivas. Como fazê-lo?
Sabendo que a formação pura e simples de nossos professores têem falhado na ajuda para a construção de identidades e subjetividades fortes e saudáveis, capazes de enfrentar o mundo e vencê-lo com uma boa dose de felicidade, é normal que lancemos os nossos olhares para outros lados à procura de ajuda.
É pena que essa ajuda não pode mais vir irrestritamente da família, uma vez que os pais encontram-se ocupados em satisfazer a sanha do estado e do sistema econômico. Por muito que tentem, seu tempo sempre será exíguo para essa tarefa.
Aí eu pergunto: pode a Psicanálise ajudar?
O discurso pedagógico e o discurso terapêutico estão hoje intimamente relacionados. As práticas pedagógicas, sobretudo quando não são estritamente de ensino, isto é, de transmissão de conhecimentos ou de "conteúdos" em sentido restrito, mostram importantes similitudes estruturais com as práticas terapêuticas. A educação se estende e se pratica cada vez mais como terapia (pela relativa ausência dos agentes primários: os pais), e a terapia se estende e se pratica cada vez mais como educação e re-educação (pela relativa ausência das práticas pedagógicas escolares e da formação de valores sociais que se atribuem às demais instituições sociais).
Segundo Cifali e Imbert (1): "De todas as aplicações da psicanálise, nenhuma provocou tanto interesse, despertou tantas esperanças e, em consequência, atraiu tantos colaboradores competentes quanto à aplicação à teoria e à prática da educação infantil... Vemo-nos aqui no campo da aplicação da psicanálise . Se a criança se tornou o principal objeto da pesquisa psicanalítica, a criança a ser educada , a criança em fase escolar, será objeto de uma aplicação desses "esforços psicanalíticos", realizados, anteriormente, no campo psicanalítico."
"Em 1913, o texto: "Interesse da Psicanálise", único a desenvolver uma síntese das aplicações não-médicas da psicanálise, se concluiu com "O interesse pedagógico". Freud acentua que a psicanálise trouxe à luz os desejos, a formação de pensamentos, os processos de desenvolvimento da infância e acima de tudo, a importância "inestimável" da sexualidade nas manifestações corporais e psíquicas."
"Em 1932, em "Nova sequência das lições introdutórias da psicanálise" .... Freud acrescenta: Há apenas um tema que não posso deixar facilmente de lado. Não que a compreensão que dele tenho ou a minha contribuição sejam particularmente grandes. Pelo contrário, foi com dificuldade que até agora me ocupei dele. Mas ele se mostra particularmente importante e pleno de esperanças para o futuro, o que talvez seja a coisa mais importante entre os componentes da análise. Desejo falar da aplicação da psicanálise à pedagogia, à educação da próxima geração."(Grifo nosso).
Analisando bem, as práticas pedagógicas e terapêuticas vão cada vez se parecendo mais. As teorias sobre a natureza humana definem sua própria sombra: definem patologias e forma de imaturidade no mesmo movimento no qual a natureza humana, o que é o homem, funciona como um critério do que deve ser a saúde ou a maturidade. A partir daí, as práticas pedagógicas e/ou terapêuticas podem tornar-se como lugares de mediação nas quais a pessoa simplesmente encontra os recursos para o pleno desenvolvimento de sua autoconsciência e sua autodeterminação, ou para a restauração de uma relação distorcida consigo mesma. As práticas pedagógicas e/ou terapêuticas seriam assim, espaços institucionalizados onde a verdadeira natureza da pessoa humana e autoconsciente e dona de si mesma pode desenvolver-se e/ou recuperar-se.
Daí pensarmos que a Psicanálise pode ser o veículo terapêutico mais adequado como elemento de co-formação pedagógica dos professores que, podendo justapor ambas as teorias, mediá-las no trato profissional de formação das mentalidades das gerações atuais e futuras.
É necessário atentar-se para o fato de que cada vez mais os educadores - pelo menos na fase inicial da escolarização - vêm tendo que, muitas vezes substituir os pais na educação básica das crianças. Se avançando, levarmos em conta que tanto para a educação como para a psicanálise, os primeiros anos de vida serão vitais na formação da personalidade futura, a mediação pedagógica e/ou terapêutica tem de ser executada ainda com maior consciência.
Sabedores ambos - pedagogia e psicanálise - , de que o Estado e o Sistema Econômico, têm desvirtuado intencionalmente os fins da escolarização para efeitos de escravização do homem ao mercado de trabalho, a mediação deverá encarar desafios cada vez mais sofisticados para conseguir neutralizar essas intenções, para possibilitar o aparecimento de subjetividades mais autônomas, equilibradas e felizes.
Corroborando o se disse acima, lembrando Michel Foucault (2):
"a problemática do governo aparece já nas primeiras análises como historicamente desdobrada tanto no campo político (em relação à "arte de governar" e à "polícia"), quanto no campo moral (em relação ao "governo de si mesmo"), no campo pedagógico (em relação ao "governo das crianças"), no campo pastoral (em relação "ao governo da alma, da consciência e da vida") e inclusive no campo econômico ("governo da casa" e da "riqueza do Estado")."

Para que se possa dotar o indivíduo com mecanismos adequados a submeterem-se no mínimo necessário às influências externas a ele nefastas, venha de que campo for, necessitamos cada vez mais da mediação pedagógica e/ou psicanalítica.
Ainda aproveitando as palavras de Foucault (3):

"Estudar a constituição do sujeito como objeto para si mesmo: a formação de procedimentos pelos quais o sujeito é induzido a observar-se a si mesmo, analisar-se, decifrar-se, reconhecer-se como um domínio de saber possível. Trata-se em suma, da história da "subjetividade", se entendemos essa palavra como o modo no qual o sujeito faz a experiência de si mesmo em um jogo de verdade no qual está em relação consigo mesmo".

Sabemos que o homem é um ser triplicemente manifestado em interior ou id (inconsciente), ego (consciente) e exterior (superego) e que o ego deve ser permanentemente o agente de equilíbrio, para que se possa ter uma vida sadia. Caberá, portanto, è educação e à psicanálise, mantê-lo em seu desenvolvimento normal.
Daí justificar-se o empenho em que cada vez mais os educadores se interessem pela psicanálise. A missão de educar não implica necessariamente transmitir conteúdo e manter o aluno disciplinarmente na sala de aula e outras atividades. Educar é mais que isso, é preparar para a vida. Para tanto, são necessários outros instrumentos que não os usualmente disponíveis.
O mundo tornou-se tão tecnologicamente sofisticado que hoje é muito mais fácil a formação de um "robô" humanizado ou um homem "robotizado", do que uma subjetividade livre, equilibrada e feliz. No mundo exterior competem: o dinheiro, a fama, a mídia, a sexualidade, o poder, a corrupção e os desejos inconfessáveis. Tudo isso podendo levar ao desequilíbrio da tríade - id-ego-superego - com todos as nefastas consequências que a Psicanálise conhece.
Porque então, não se aproveitar desde cedo, a única chance que temos de educar para o equilíbrio? Só assim teremos no futuro uma sociedade mais sadia, solidária e humanamente vivenciável. Os únicos que ganham com o desequilíbrio humano são o Estado e o Sistema Econômico, embora não saibam que podem ganhar muito mais quando a humanidade for autoconsciente.
Finalizando, gostaria de enfatizar que, a permuta entre os conhecimentos da Educação e da Psicanálise, só poderão gerar frutos saborosos para o homem em si e para a sociedade. O dia em que os educadores e os psicanalistas entenderem isso e iniciarem um diálogo comum, talvez nesse dia estará começando uma verdadeira revolução no planeta Terra.

Notas:
01. CIFALI, Mireille e IMBERT, Francis. Freud e a Psicanálise. S. Paulo, Edições Loyola, 1999.
02. LARROSA, Jorge. Tecnologias do Eu. In: Tomaz Tadeu da Silva. O Sujeito da Educação. Petrópolis, Vozes, 1994.
03. FOUCAULT, Michel. Dicionaire de Philosophes. Paris, PUF, 1984.

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